top of page

Drogas hemostáticas: quais as evidências?

  • Foto do escritor: ICU HUB
    ICU HUB
  • 29 de ago. de 2022
  • 8 min de leitura


Por Felício Savioli


Nesse tópico abordaremos os mecanismos de ação, indicações, efeitos colaterais e evidências sobre o uso de ácido tranexâmico, DDAVP, concentrado de fibrinogênio, concentrado de complexo protrombínico e fator XIII no manejo de sangramento de doentes críticos.



Ácido Tranexâmico


Droga antifibrinolítica, análoga sintética do aminoácido lisina, descoberta em laboratório em 1962. Inibe a fibrinólise ligando-se irreversivelmente nos sítios de ligação da lisina no plasminogênio, impedindo a ligação deste ao ativador tecidual de plasminogênio e sua conversão em plasmina, consequentemente bloqueando a degradação de fibrina pela plasmina. Seu principal benefício é o de bloquear a fibrinólise e estabilizar o coágulo.(1)


Diversos estudos avaliaram a eficácia do ácido tranexâmico durante o manejo de sangramento. Aqui vamos apenas mencionar os estudos de elevada qualidade de evidência que incluem as indicações: no trauma, pós-parto hemorrágico e pós-operatório de cirurgia cardíaca. Em 2010, o estudo CRASH-2, multicêntrico randomizado, controlado, envolvendo mais de 20 mil pacientes, mostrou que o uso do antifibrinolítico em pacientes politraumatizados com hemorragia, foi capaz de reduzir mortalidade quando administrado nas primeiras 3 horas.(2) Em 2017, outro grande estudo multicêntrico, randomizado controlado, envolvendo pacientes em pós parto hemorrágico, mostrou que o uso do ácido tranexâmico foi capaz de reduzir a mortalidade nessa população quando administrado precocemente.(3) Em estudo randomizado controlado incluindo mais de 4 mil pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, o antifibrinolítico foi capaz de reduzir necessidade de transfusões e de abordagens cirúrgicas, com menor risco de mortalidade e de complicações trombóticas após 30 dias de cirurgia.(4) Outras indicações incluem: epistaxe, hemoptise, hipoagregação plaquetária e pós operatório de cirurgia ortopédica, de transplante de fígado e urológicas.


Com relação ao sangramento digestivo, a literatura atual não mostrou benefício do uso de ácido tranexâmico com relação à redução de mortalidade. Estudo multicêntrico randomizado controlado com mais de 12 mil pacientes com hemorragia digestiva, não mostrou benefício do uso de ácido tranexâmico com relação a redução de mortalidade e, inclusive, apresentou aumento do risco de trombose venosa quando comparado ao grupo placebo.(5) Com relação aos testes viscoelásticos, uma vez detectada a fibrinólise pelo tromboelastograma ( ML EXTEM > 15% ), está indicado o uso do antifibrinolítico. Dose recomendada de 15 - 20mg/kg de peso. Os principais efeitos colaterais incluem, cefaléia, convulsões, náuseas, vômitos e distúrbios visuais. Por fim, com relação ao risco de trombose, uma revisão sistemática de 22 RCTs, incluindo os estudos WOMAN e CRASH-2 , não mostraram associação de trombose com uso de ácido tranexâmico.(6)



DDAVP


Análogo sintético da vasopressina que age especificamente no receptor V2 e promove aumento na expressão de FVIII e de fator de Von Willebrand, estimulando a agregação das plaquetas. Droga indicada em casos de sangramento associado a hipoagregação plaquetária. Indicações incluem sangramentos relacionados a antiagregantes plaquetários (clopidogrel, ticagrelor, prasugrel), Síndrome de Von Willebrand, hemofilias, uremia, uso de AINEs, ECMO e inibidores seletivos de recaptação de serotonina. Um RCT envolvendo 102 pacientes testou os efeitos do DDAVP na perda sanguínea do pós-operatório de cirurgia cardíaca e na agregação plaquetária. O grupo de intervenção foi tratado com 0,3mcg/kg de DDAVP e o outro grupo recebeu solução salina.


Os resultados mostraram uma diminuição significativa da perda de sangue e de transfusão de PFC no grupo intervenção nas primeiras 6 h de pós-operatório.(7) Em 2017, uma meta-análise mostrou que a desmopressina pode ser um agente útil para reduzir a necessidade de transfusões em pacientes com disfunção plaquetária ou com história de administração recente de antiplaquetários submetidos à cirurgia cardíaca.(8) Ainda são necessários mais estudos para avaliar a eficácia do DDAVP em diferentes situações clínicas associadas ao manejo de sangramento. Dose recomendada de 0.3 mcg/kg diluídos em solução salina por via endovenosa. Os principais efeitos colaterais incluem taquifilaxia e hiponatremia.



Concentrado de fibrinogênio


O fibrinogênio (Fator I da coagulação) é uma glicoproteína sintetizada no fígado com meia vida de 3-5 dias. Durante o sangramento é o primeiro a atingir níveis críticos. A mensuração pelo método de Clauss dura aproximadamente 40 minutos. Já pelos métodos viscoelásticos o resultado pode ser analisado entre 5 e 10 minutos.


Atualmente, existe disponível no mercado brasileiro o concentrado de fibrinogênio. (Haemocomplettan ®). Produto pasteurizado e nanofiltrado, com tempo de preparo de 5 minutos que requer diluição. A cada 50 ml são disponibilizados 1000 mg de fibrinogênio. As vantagens da droga são: quantidade precisa, não requer tipagem sanguínea, apresenta inativação viral e menor risco de TRALI, TACO e TRIM quando comparado ao PFC e crioprecipitado. Diversos estudos mostraram que o uso de CF foi capaz de reduzir a necessidade de transfusão de hemácias, plaquetas e PFC. Nesta seção vamos citar alguns estudos pertinentes.


O estudo RETIC (9) incluiu pacientes politraumatizados com ISS > 15 e coagulopatia detectada pelo tromboelastograma. 48 pacientes receberam PFC e 52 pacientes receberam concentrado de fibrinogênio (CF). O estudo foi terminado precocemente por futilidade e segurança uma vez que o grupo PFC necessitou de mais terapia de resgate com hemoderivados além de apresentarem maior disfunção orgânica quando comparado ao grupo CF. Em 2015, Ranucci e colaboradores avaliaram a eficácia do CF em no pós-operatório de cirurgia cardíaca. Nesse estudo randomizado, controlado e duplo cego, os autores constataram que o CF foi capaz de reduzir de maneira estatisticamente significativa a necessidade de transfusão de hemoderivados quando comparado ao grupo placebo.(10) A dose recomendada é de 25-50 mg/kg. Outra opção é utilizar uma fórmula matemática a partir do MCF do FIBTEM no tromboelastograma. Fórmula sugerida:


Dose CF (g) = MCF FIBTEM desejado – MCF FIBTEM do paciente

_________________________________________

2


Com relação aos efeitos colaterais, foi realizada uma revisão da literatura (11) entre 1986 e 2013. Dados comerciais indicaram que 2.611.294 g de concentrado de fibrinogênio foram distribuídos durante o período de farmacovigilância, correspondendo a 652.824 doses padrão de 4 g cada, em uma variedade de indicações clínicas. Um total de 383 eventos adversos em 106 casos foram relatados (aproximadamente 1 por 24.600 g ou 6.200 doses padrão). Eventos de interesse especial incluíram possíveis reações de hipersensibilidade em 20 casos (1 por 130.600 g ou 32.600 doses), possíveis eventos tromboembólicos em 28 casos (1 por 93.300 g ou 23.300 doses) e suspeita de transmissão viral em 21 casos (1 por 124.300 g ou 31.000 doses). Por fim, essa revisão mostrou o perfil seguro do concentrado de fibrinogênio.



Concentrado de complexo protrombínico


Produto pasteurizado e liofilizado com tempo de preparo 5 minutos. Cada frasco de 20 ml (500 UI) contém FII, FVII, FIX, FX, proteína C, proteína S, antitrombina III e heparina. Não requer fenotipagem, apresenta inativação viral e menor risco TRALI, TACO e TRIM quando comparado aos hemoderivados. O uso da medicação está indicado no tratamento e profilaxia perioperatória de sangramento relacionado aos antagonistas de vitamina K com INR elevado, quando a correção rápida se faz necessária. O próprio guideline europeu de manejo de sangramento, recomenda o uso do concentrado de complexo protrombínico (CCP) como primeira opção nessas situações clínicas (nível de recomendação 1B). Em locais onde o CCP não está disponível, o uso do PFC para reverter sangramentos relacionados ao uso de antagonistas de vitamina K pode ser utilizado. Em estudo multicêntrico fase 3b, Goldstein e colaboradores, compararam CCP versus PFC em pacientes com antagonista de vitamina k que necessitavam de cirurgia ou procedimentos invasivos de urgência. Os autores observaram que a hemostasia efetiva foi alcançada em 90% do grupo CCP contra 75% do grupo FFP. Além disso, a rápida correção do INR foi observada em 55% dos pacientes no grupo CCP contra apenas 10% do grupo PFC.(12) Em uma recente meta-análise, incluindo 17 estudos para avaliar a eficácia do CCP no manejo de sangramento, os autores observaram que a droga hemostática foi capaz de reduzir a mortalidade no subgrupo de pacientes politraumatizados. Já na população com sangramento em decorrência de pós-operatório de cirurgia cardíaca, o CCP foi capaz de reduzir a perda sanguínea e a necessidade de concentrado de hemácias. No que tange ao risco de trombose, a meta análise não mostrou aumento do risco entre os grupos.(13) A dose recomendada pelo fabricante varia de acordo com os níveis de INR. Caso seja utilizado o ROTEM® para guiar o uso da droga hemostática, ela está indicada em casos em que o CT EXTEM > 80s e a dose sugerida é de 25-50 UI/kg.


Concentrado de fator XIII


O Fator XIII é um transglutaminase ativada pela trombina e responsável por formar um cross-link entre as cadeias ramificadas de fibrina, sendo o maior responsável por estabilizar o coágulo. Além disso, o FXIII potencializa a atividade da alfa 2 - antiplasmina, contribuindo para evitar a hiperfibrinólise e garantir a firmeza do coágulo.(14) Além da deficiência hereditária, outras causas de deficiência de FXIII incluem trauma, hepatopatia, pós operatório de cirurgia cardíaca, pós parto hemorrágico e estados de hiperfibrinólise. A melhor maneira de detectar a deficiência de FXIII é pela mensuração laboratorial. Porém o resultado do exame pode demorar dias e em situações de risco de vida existe outra maneira de fazer a hipótese baseada nos resultados do tromboelastograma. Em situações em que o MCF FIBTEM não recupera com a correção de fibrinogênio ou onde a hiperfibrinólise não reverte com ácido tranexâmico a suspeita deve ser feita e deve-se lançar mão da reposição de FXIII. Duas opções podem ser viáveis. Uma delas com crioprecipitado e a outra com concentrado de Fator XIII (Fibrogamin®). O concentrado de FXIII é um pó liofilizado, onde cada frasco de 4 ml contém 250 UI de FXIII. Dose recomendada de 25-35 UI/kg.(15)



Referências



1. Relke N, Chornenki NLJ, Sholzberg M. Tranexamic acid evidence and controversies: An illustrated review. Res Pract Thromb Haemost. 2021;5(5):e12546.


2. Shakur H, Roberts I, Bautista R, Caballero J, Coats T, Dewan Y, et al. Effects of tranexamic acid on death, vascular occlusive events, and blood transfusion in trauma patients with significant haemorrhage (CRASH-2): a randomised, placebo-controlled trial. Lancet. 2010;376(9734):23-32.


3. Collaborators WT. Effect of early tranexamic acid administration on mortality, hysterectomy, and other morbidities in women with post-partum haemorrhage (WOMAN): an international, randomised, double-blind, placebo-controlled trial. Lancet. 2017;389(10084):2105-16.


4. Myles PS, Smith JA, Forbes A, Silbert B, Jayarajah M, Painter T, et al. Tranexamic Acid in Patients Undergoing Coronary-Artery Surgery. N Engl J Med. 2017;376(2):136-48.


5. Collaborators H-IT. Effects of a high-dose 24-h infusion of tranexamic acid on death and thromboembolic events in patients with acute gastrointestinal bleeding (HALT-IT): an international randomised, double-blind, placebo-controlled trial. Lancet. 2020;395(10241):1927-36.


6. Chornenki NLJ, Um KJ, Mendoza PA, Samienezhad A, Swarup V, Chai-Adisaksopha C, et al. Risk of venous and arterial thrombosis in non-surgical patients receiving systemic tranexamic acid: A systematic review and meta-analysis. Thromb Res. 2019;179:81-6.


7. Jin L, Ji HW. Effect of desmopressin on platelet aggregation and blood loss in patients undergoing valvular heart surgery. Chin Med J (Engl). 2015;128(5):644-7.


8. Desborough MJ, Oakland KA, Landoni G, Crivellari M, Doree C, Estcourt LJ, et al. Desmopressin for treatment of platelet dysfunction and reversal of antiplatelet agents: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. J Thromb Haemost. 2017;15(2):263-72.


9. Innerhofer P, Fries D, Mittermayr M, Innerhofer N, von Langen D, Hell T, et al. Reversal of trauma-induced coagulopathy using first-line coagulation factor concentrates or fresh frozen plasma (RETIC): a single-centre, parallel-group, open-label, randomised trial. Lancet Haematol. 2017;4(6):e258-e71.


10. Ranucci M, Baryshnikova E, Crapelli GB, Rahe-Meyer N, Menicanti L, Frigiola A, et al. Randomized, double-blinded, placebo-controlled trial of fibrinogen concentrate supplementation after complex cardiac surgery. J Am Heart Assoc. 2015;4(6):e002066.


11. Solomon C, Gröner A, Ye J, Pendrak I. Safety of fibrinogen concentrate: analysis of more than 27 years of pharmacovigilance data. Thromb Haemost. 2015;113(4):759-71.


12. Goldstein JN, Refaai MA, Milling TJ, Lewis B, Goldberg-Alberts R, Hug BA, et al. Four-factor prothrombin complex concentrate versus plasma for rapid vitamin K antagonist reversal in patients needing urgent surgical or invasive interventions: a phase 3b, open-label, non-inferiority, randomised trial. Lancet. 2015;385(9982):2077-87.


13. van den Brink DP, Wirtz MR, Neto AS, Schöchl H, Viersen V, Binnekade J, et al. Effectiveness of prothrombin complex concentrate for the treatment of bleeding: A systematic review and meta-analysis. J Thromb Haemost. 2020;18(10):2457-67.


14. Martinuzzo M, Barrera L, Altuna D, Baña FT, Bieti J, Amigo Q, et al. Effects of Factor XIII Deficiency on Thromboelastography. Thromboelastography with Calcium and Streptokinase Addition is more Sensitive than Solubility Tests. Mediterr J Hematol Infect Dis. 2016;8(1):e2016037.


15. Lassila R. Clinical Use of Factor XIII Concentrates. Semin Thromb Hemost. 2016;42(4):440-4.


 
 
 

Comments


© 2023 ICUHUB

  • Instagram
  • YouTube
  • Spotify
bottom of page